Quando a cirurgia é necessária ao obeso


O grau de gravidade da obesidade é medido por um cálculo simples: o peso da pessoa em quilogramas (kg) dividido pela altura (em metros) elevada ao quadrado. É o índice de massa corporal (IMC) que classifica os obesos em graus I, II e III. Acima de 40 kg/m2 caracteriza-se a obesidade chamada de "mórbida" – com riscos maiores para doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão, doenças articulares e outros males. Na prática clínica de todos os dias julga-se que, quando a pessoa passa de IMC maior que 40 kg/m2 será difícil voltar ao peso considerado normal.

Muitos dos obesos mórbidos parecem ter perdido aquele sistema automático de regulação da fome e do apetite, seguido de saciedade após a refeição. O hábito de comer compulsivamente, beliscar a toda hora, fazer refeições noturnas, assaltos a geladeira, passam a ser vícios difíceis de serem corrigidos e mesmo impossíveis de se eliminar com tratamentos clínicos e restrições nutricionais. A operação, popularmente conhecida como "redução do estômago" é uma opção eficaz nestes casos.

No entanto existem restrições para que o obeso mórbido possa se candidatar à cirurgia. É imperativo que exista equilíbrio emocional e ausência de patologia psiquiátrica grave. Ainda é aconselhável que exames psicológicos sejam realizados para preparação da cirurgia. Por outro lado, obesos com menor IMC do que 40 kg/m2 podem se candidatar à cirurgia bariátrica desde que apresentem doenças associadas como diabetes, hipertensão, alterações cardíacas e outras moléstias que são consideradas conseqüências do excesso de peso.

O número de cirurgias está aumentando

Nos Estados Unidos, considerado como o país que tem a maior população obesa do mundo, realizam-se mais de 100.000 cirurgias para redução do estômago por ano e a maioria com encurtamento do intestino delgado (dados de 2005). No Brasil a revista Pesquisa indicou, recentemente, que entre 1999 e 2006 foram realizadas mais de 10.000 cirurgias deste tipo pelo SUS - totalmente pagas pelo Ministério da Saúde. Mas este número de cirurgias apenas atende uma pequena parcela dos obesos mórbidos (cerca de 0,3%).

Os pacientes obesos que dispõem de recursos ou que têm plano de seguro saúde poderão cobrir os custos do procedimento, mas o acesso ao ato cirúrgico pode demorar. A estimativa é que os 600 cirurgiões habilitados a realizar esta cirurgia no país estão operando 25.000 pacientes por ano. No entanto é preciso alertar para o fato de que outros tantos cirurgiões, sem treinamento adequado e sem a habilitação necessária -- sem o aval das Sociedades Médicas e Cirúrgicas --, estariam operando os obesos, com risco de complicações pós-operatórias muito sérias.

A técnica cirúrgica é eficiente para perder peso

Na modalidade mais comum de cirurgia bariátrica o cirurgião separa o estômago em duas partes. A menor, com cerca de 5% do total, mantém a função de receber os nutrientes. A maior parte do estômago permanece no abdômen e é, funcionalmente, importante para secretar o ácido clorídrico e outras substâncias na alça intestinal que lhe é colocada. Como esta alça é "pinçada" mais adiante do trajeto normal do tubo digestivo, verifica-se que há um encurtamento do trato digestivo (decorre deste fato menor absorção de nutrientes). Nesta técnica o volume de comida a ser ingerido a cada refeição deve ser muito bem controlado pelo paciente. Ele terá de ainda de comer pequenas porções de cada vez, mastigar muito bem os alimentos, evitar os doces chamados "pastosos" como goiabada, geléias, chocolates, leite condensado, doce de leite, etc. Isto porque a entrada brusca de "açúcar" na circulação pode ocasionar elevação rápida de insulina a que se segue a queda do açúcar do sangue (glicemia) provocando crise de hipoglicemia. Tal fenômeno é chamado, também, de "dumping" com sudorese fria, sensação de desfalecimento, tontura e mal estar geral.

Com estômago menor e o intestino reduzido existe a possibilidade de dificuldade de absorção de nutrientes importantes como o ferro, zinco e potássio. Além disso, algumas vitaminas lipo solúveis (que se dissolvem em gordura) como Vitamina A, D e K, podem faltar a prazo médio. Em pacientes obesos que têm moléstia da tireóide e tomam todos os dias o comprimido de tiroxina, é preciso reavaliar a dose diária deste medicamento, pois a tiroxina precisa ser bem dissolvida no estômago para subseqüentemente ser absorvida no intestino delgado. Complicações devidas à técnica cirúrgica podem ocorrer em 7% dos pacientes. Muitas equipes preferem realizar a operação bariátrica por sistema de vídeo no qual os instrumentos são introduzidos por tubos através de 3 a 5 orifícios no abdômen (vídeolaparoscopia). É mais segura, confortável, necessita de menor tempo de internação e tem menor riscos, desde que a equipe tenha excelente treinamento.

O risco de voltar a engordar

Em estudos publicados com centenas de pacientes operados verificou-se que a metade dos pacientes submetidos, com êxito, à cirurgia bariátrica, irá ganhar cerca de 10% do peso atingido no pós-operatório. Na prática clínica verifica-se que um em cada cinco pacientes operados volta a ganhar peso, mas não chega ao patamar que tinha antes da operação. Estes pacientes que ganham peso voltam aos "vícios" alimentares que tinham antes da cirurgia.

Somente com acompanhamento a longo prazo é que teremos melhor conhecimento porque, mesmo com o sucesso inicial pós-cirúrgico, estas pessoas não conseguem manter o peso adequado. Depressão endógena e compulsão alimentar são, sem dúvida, dois problemas da esfera psiquiátrica que levam o obeso a voltar a engordar. É imprescindível que, no período pós-cirúrgico, toda uma equipe de endocrinologistas, psicólogos, nutricionistas, auxiliem o paciente a se manter no peso ideal


Geraldo Medeiros
Médico endocrinologista
Professor da USP
E-mail: medeiros.dr@gmail.com


Veja.com - Segunda-feira, 01 de Setembro de 2008

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