Crise Mundial

"Vou fazer um slideshow para você.

Está preparado?

É comum, você já viu essas imagens antes.
Quem sabe até já se acostumou com elas.
Começa com aquelas crianças famintas da África.
Aquelas com os ossos visíveis por baixo da pele.
Aquelas com moscas nos olhos.

Os slides se sucedem.

Êxodos de populações inteiras.
Gente faminta.
Gente pobre.
Gente sem futuro.

Durante décadas, vimos essas imagens.

No Discovery Channel, na National Geographic, nos concursos de foto.
Algumas viraram até objetos de arte, em livros de fotógrafos renomados.
São imagens de miséria que comovem.
São imagens que criam plataformas de governo.
Criam ONGs.
Criam entidades.
Criam movimentos sociais.

A miséria pelo mundo, seja em Uganda ou no Ceará, na Índia ou em Bogotá sensibiliza.
Ano após ano, discutiu-se o que fazer.
Anos de pressão para sensibilizar uma infinidade de líderes que se sucederam nas nações mais poderosas do planeta.

Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver o problema da fome no mundo.

Resolver, capicce?
Extinguir.

Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em nenhum canto do planeta.
Não sei como calcularam este número.
Mas digamos que esteja subestimado.
Digamos que seja o dobro.
Ou o triplo.
Com 120 bilhões o mundo seria um lugar mais justo.

Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse.
Não houve documentário, ONG, lobby ou pressão que resolvesse.

Mas em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências, tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1.5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia. Bancos e investidores.

Como uma pessoa comentou, é uma pena que esse texto só esteja em blogs e não na mídia de massa, essa mesma que sabe muito bem dar tapa e afagar.

Se quiser, repasse, se não, o que importa?

O nosso almoço tá garantido mesmo...

Texto de Neto, diretor de criação e sócio da Bullet - recbebi por e-mail.



Lixão eletrônico

Descartados em países desenvolvidos, aparelhos eletrônicos como televisores e computadores geralmente vão parar em nações em desenvolvimento, como Gana - e lá se tornam um grande problema para a saúde e o meio ambiente

Revista Planeta - Edição 433
Fotos de Kate Davison/Eyevine/Zuma Press

Os equipamentos eletrônicos são uma das mais conhecidas fontes de metais pesados, materiais tóxicos e poluentes orgânicos no lixo urbano. Devido à velocidade com que a tecnologia está mudando, as pessoas trocam seus aparelhos a intervalos cada vez mais curtos; só nos Estados Unidos, estima-se que cerca de 30 milhões de computadores sejam jogados fora anualmente. Todos os grandes personagens dessa indústria também são encontrados nesses restos: Apple, Epson, IBM, Dell.

Crianças de Gana, na África Ocidental, podem conseguir muito dinheiro desses refugos extraindo, com a ajuda do fogo, o cobre contido em computadores, televisores, rádios, câmeras e baterias de celulares, já que muitos ganeses sobrevivem com apenas dois dólares por dia. Mas os perigos que o lixo eletrônico representa para o meio ambiente e a saúde humana do país são reais.

AS PREOCUPAÇÕES com o lixo eletrônico (e-waste, em inglês) estão crescendo ao redor do mundo, em especial nos países desenvolvidos. Mas em muitas nações em desenvolvimento, como Gana, a necessidade de examinar com muita atenção esse assunto ainda não foi devidamente assimilada.

Aparelhos eletrônicos são uma das mais conhecidas fontes de metais pesados

E-waste é o nome genérico atribuído aos aparelhos eletrônicos ou computadores descartados. Esses itens possuem diferentes origens e abrangem televisores, computadores pessoais (PCs), telefones, aparelhos de ar condicionado, celulares e brinquedos eletrônicos, além de elevadores, geladeiras, lava-louças, secadoras, equipamentos para cozinha e até aviões.

O aumento na quantidade de peças descartadas no sistema está muito relacionado à velocidade do avanço tecnológico e da inovação, associada a um alto índice de obsolescência. Como o papel representado pela tecnologia no desenvolvimento socioeconômico é bastante crítico, o tema do lixo eletrônico se tornou complexo.

É claro que nenhuma nação pode se desenvolver sem know-how e expertise tecnológica. Mas a tecnologia deixa em seu rastro alguns custos, incluindo o lixo eletrônico e as conseqüências associadas a ele. Elas reverberam em perigos potenciais para a saúde e o meio ambiente.

À esquerda, computadores descartados nos arredores de Acra, a capital ganesa. Acima, menino leva fios de cobre extraídos de aparelhos cujas partes de plástico foram derretidas pelo fogo.

DE ACORDO COM A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, dos cerca de 30 milhões de computadores jogados fora anualmente no país, apenas 14% são reciclados. Os dados disponíveis mostram ainda que, por volta do fim de 2004, mais de 314 milhões de computadores estavam obsoletos e, no final de 2007, os aparelhos ultrapassados já somavam 500 milhões. Com isso, o tempo de vida médio dos computadores norte-americanos reduziu-se a menos de dois anos. Para a maioria das pessoas, o encanto da nova tecnologia é tão forte que os usuários preferem comprar um novo computador a reformar um velho, e os PCs que não podem ser reformados vão se juntar à pilha de aparelhos descartados. Outra estimativa indica que, em 2010, 100 milhões de celulares e 300 milhões de PCs serão despejados em algum lixão.

Como é difícil obter estatísticas acuradas em Gana, as estimativas do número de PCs no país não são prontamente disponíveis. Além disso, o índice de obsolescência dos aparelhos eletrônicos usados pelos ganeses não é conhecido, pois deve-se considerar o fato de que boa parte deles já é velha.

O e-waste é conhecido por conter poluentes químicos perigosos lançados na atmosfera e nas águas subterrâneas. As formas de descarte, que incluem o despejo dos aparelhos velhos em aterros ou sua queima, também expõem os humanos e o meio ambiente a um coquetel de venenos e substâncias químicas tóxicas, como chumbo, cádmio, mercúrio e arsênio.

Os tubos de raios catódicos da maioria dos monitores de computador e telas de televisores possuem blindagens anti-raios X que contêm entre 1,8 e 3,6 quilos de chumbo, em geral incrustado em vidro. Os monitores de tela plana geralmente usados nos laptops não têm altas concentrações de chumbo, mas a maioria deles é iluminada com lâmpadas fluorescentes dotadas de mercúrio. A unidade de processamento central (CPU) de um PC, o módulo que contém o chip e o disco rígido, normalmente possui metais como mercúrio (em comutadores), chumbo (na solda de circuitos eletrônicos) e cádmio (em baterias). Os plásticos usados em computadores domésticos e para cobrir cabos a fim de evitar a propagação de fogo freqüentemente contêm retardantes de chamas polibrominados, substâncias cuja ingestão, segundo estudos, pode aumentar o risco de câncer, lesões no fígado e disfunção no sistema imunológico.

CHUMBO, MERCÚRIO, cádmio e retardantes de chamas polibrominados são todos toxinas bioacumulativas persistentes (PBTs, na sigla em inglês), que podem criar riscos para a saúde e o meio ambiente quando os computadores são fabricados, incinerados, despejados em aterro ou derretidos durante a reciclagem. As PBTs, em especial, são uma classe de substâncias químicas que sobrevivem no meio ambiente e se acumulam em tecidos vivos. Como sua concentração aumenta à medida que se movem para a cadeia alimentar, elas podem atingir níveis perigosos nos organismos vivos, mesmo quando liberadas em quantidades reduzidas. As PBTs têm sido associadas a doenças como o câncer, lesões nervosas e distúrbios de reprodução.

O chumbo causa danos ao sistema nervoso central e periférico, ao sistema circulatório, aos rins e ao sistema reprodutivo nos seres humanos. Seus efeitos negativos têm sido observados no sistema endócrino (inclusive no desenvolvimento do cérebro das crianças). Quando ele se acumula no ambiente, causa efeitos agudos e crônicos em plantas, animais e microrganismos.

Encontrado em componentes como resistores chips (SMDs), detetores de infravermelho e chips semicondutores, o cádmio se acumula sobretudo nos rins e pode ter efeitos irreversíveis na saúde humana. O mercúrio, por outro lado, causa danos a vários órgãos, incluindo o cérebro e os rins. O feto em desenvolvimento, por sinal, é altamente suscetível ao mercúrio por meio da exposição materna.

Meninas recolhem o cobre de aparelhos incendiados em um aterro de Acra. O metal é uma importante fonte de receita num país em que a maioria da população sobrevive com apenas dois dólares por dia.

O PLÁSTICO constitui cerca de 6,25 quilos de um computador comum. O maior volume (26%) do plástico usado em aparelhos eletrônicos é o PVC, cuja queima pode formar dioxina (derivada da clorina ali contida).

O bário é um metal usado no painel frontal do tubo de raio catódico grande de monitores, para proteger os usuários da radiação. Estudos mostraram que uma exposição de curta duração a ele provocou problemas no cérebro, fraqueza muscular, lesões no fígado, coração e baço.

Segundo o governo ganês, o país não tem uma política dedicada ao lixo eletrônico

Outro elemento a ser observado é o toner, pó empregado nas impressoras a laser. O principal componente do toner preto é um pigmento normalmente chamado preto carbono, que, se inspirado por um longo tempo, pode causar irritação das vias respiratórias.

Como tudo isso está bem documentado, é surpreendente que as agências responsáveis pelo meio ambiente e pela saúde do povo ganês não tenham tomado as medidas necessárias a fim de estabelecer mecanismos como os assumidos em outras partes do mundo nessa área.

Consultadas, fontes da Agência de Proteção Ambiental de Gana enfatizaram que não havia nenhuma política relativa ao manuseio do lixo eletrônico no país.

Um passeio pela capital ganesa, Acra, revela pilhas de televisores, PCs e outros equipamentos eletrônicos descartados. Algumas pessoas compram esses aparelhos e retiram deles pedaços para consertar peças que faltam, mas o que acontece com as partes não aproveitadas ainda é uma incógnita. Outras pessoas queimam essas partes, sob condições antihigiênicas e inseguras, a fim de remover alguns itens para usá-los de outras formas.

A AUSÊNCIA DE qualquer política transparente de lixo eletrônico em Gana torna ainda mais assustadora a situação no país. Os ambientalistas acreditam que um grande volume de lixo eletrônico descartado em nações desenvolvidas é enviado para países em desenvolvimento, expondo a problemas de saúde pessoas despreparadas para enfrentar a situação decorrente disso. É até mais surpreendente que, apesar da ampla divulgação dos temas ambientais no mundo globalizado de hoje, os políticos ganeses raramente façam deles um tópico de campanha. Mas o meio ambiente é assunto de direitos humanos, assim como a liberdade de expressão, e já é tempo de os países desenvolvidos enfrentarem decididamente esse problema - sob o risco de vê-lo crescer cada vez mais.

Mel néctar dos deuses produzido por insetos

Não é de hoje que a humanidade descobriu o poder do mel e suas propriedades terapêuticas. Seu uso já era descrito na pré-história e em manuscritos egípcios, gregos e romanos. Esquecido na Idade Média, ele agora volta a ser largamente consumido

Revista Planeta - Edição 433
Por Sheila Lobato

Ele foi como a energia elétrica para a Antigüidade. Nas casas e ruas, velas e tochas feitas com a cera das abelhas podiam ficar acesas durante horas. Também era um conservante de uso geral: servia para manter os alimentos, a pele e os mortos embalsamados em bom estado. Na medicina da época, era um remédio poderoso: como antiinflamatório e cicatrizante de ferimentos, para curar queimaduras e uma série de doenças, de gripes a fraqueza. Era ainda alimento, adoçante e ingrediente indispensável em doces e salgados.

Então, subitamente, no final da Idade Média, o mel desapareceu do uso humano. Começava a era do açúcar de beterraba e, depois, da cana-de-açúcar. Embora a sua propriedade de adoçante fosse apenas uma entre tantas outras, o mel caiu no esquecimento também como remédio e alimento.

O século 21 o está reabilitando em escala mundial. Estados Unidos e Europa são grandes importadores do mel de países como China (primeiro produtor do mundo) e Brasil (quinto maior exportador para os EUA). Nos últimos dois anos, nossas exportações quadruplicaram, apesar dos embargos impostos pela União Européia. Vendemos o quilo a US$ 1,74. A cera e a própolis, em torno de US$ 100 o quilo. O equivalente em barril de petróleo valeria US$ 16 mil, um preço fantástico comparado ao do ouro negro.

E os usos do mel nestes tempos são os mesmos da Antigüidade, com exceção do embalsamamento de cadáveres. Duas colheres de sopa por dia servem para fixar o cálcio no organismo - por esse motivo ele era utilizado como fortificante pelos antigos. Uma gota de geléia real ao dia estimula o tônus sexual. Gotas de própolis aplicadas externamente fazem desaparecer rugas e cicatrizes.

Uma colméia de abelhas, com 50 mil indivíduos, é tão asséptica quanto uma sala de cirurgia, apesar da temperatura constante de 37º C no seu interior. Isso se deve à própolis, resina que as abelhas colhem de brotos de plantas e botões de flores. Elas a utilizam para dar rigidez à estrutura da colméia e vedar fendas. Como a resina é antibiótica, nenhum germe se propaga na colméia.

Em 2005, pesquisadores da Universidade de Zagreb, na Croácia, descobriram que a própolis é capaz de reduzir tumores cancerígenos. Inoculada em células cancerosas de ratos de laboratório, a substância reduziu de 62 para 15 as metástases, quase o dobro do obtido pela quimioterapia convencional - de 62 para 28. Os pesquisadores decidiram então combinar a própolis com quimioterapia, e conseguiram reduzir as metástases para apenas quatro! Estudos em células humanas já estão em curso.

SABE-SE QUE a própolis possui mais de 300 substâncias ativas, entre elas flavonóides, polifenóis e antioxidantes. No ano passado, cientistas da Universidade de Bochum, na Alemanha, anunciaram que a molécula CLU502 destruiu in vitro as células de um neuroblastoma, tipo de câncer cerebral que ocorre sobretudo em crianças. Células sadias não foram danificadas. A pesquisa continua.

Onde existem abelhas e colméias é porque o equilíbrio ambiental está mantido. Elas são suas sentinelas. Estudos feitos na França estimaram que 74% das colméias existentes no país foram abandonadas pelas abelhas em 2006, por motivos diversos: falta de espécies arbóreas que as atraíssem, parasitas, excesso de pesticidas nas plantações e, talvez, ondas eletromagnéticas emitidas pelos telefones celulares. Essa forma de radiação estaria interferindo nos sistemas de vôo das operárias. Em conseqüência, não acham mais o caminho de casa e morrem de fome.

Depois de recolher o pólen das flores, as operárias depositam fermentos lácteos sobre os grãozinhos, como se faz para preparar a massa do pão. O resultado é mais que um pão: cada 100 gramas de massa de pólen têm a proteína de sete ovos ou de um bife de 400 gramas de carne de boi.

O pólen é um estimulante do sistema imunológico, por conter vitaminas B, C e E, oito aminoácidos essenciais e o selênio, antioxidante raro na nossa alimentação. Contém ainda carotenóides com propriedades antiinflamatórias. Examinada em laboratório, verificou-se que a massa de pólen tem entre 1 milhão e 10 milhões de unidades de fermento lácteo por grama, o que a torna um probiótico igual aos iogurtes. Ótimo para a digestão e a flora intestinal.

Pesquisadores de Toulouse, na França, provocaram uma inflamação no cólon intestinal de ratos de laboratório; um grupo recebeu a massa de pólen de abelhas e o outro foi alimentado sem ela. O primeiro grupo teve 30% menos lesões que o segundo.

Detalhe de um favo de mel. O produto natural é usado como remédio e alimento desde a Antigüidade.

PRODUZIDA POR operárias jovens nas glândulas da cabeça, a geléia real é uma poção quase mágica. À medida que a fabricam, as operárias a depositam sobre uma larva de abelha até seu completo desenvolvimento. Nasce então uma abelha rainha. Em outras larvas, o processo é interrompido e ela será uma abelha operária.

O efeito antifadiga foi demonstrado em 2001 por pesquisadores do laboratório japonês Pola, ao escalarem dois grupos de ratos de laboratório para provas de natação. Deveriam nadar até cansar. O que foi alimentado com geléia real sempre nadava mais tempo que o outro.

A geléia real é composta principalmente de proteínas e aminoácidos (50%), antioxidantes e lipídios (cerca de 5%). Seus ácidos graxos estimulam o sistema imunológico. Pesquisadores franceses, em parceria com o Instituto Max Planck, de Munique, na Alemanha, descobriram que ela age sobre vários tipos de vírus, entre os quais os da herpes, hepatite B e influenza. No Japão, o Instituto Fujisaki descobriu que a vida média de ratinhos de laboratório alimentados com geléia real é maior que a dos que não a receberam, graças à sua ação antioxidante, que retarda o envelhecimento celular.

Na Ásia, a apipuntura, irmã da acupuntura, é tão popular quanto esta. A prática tem 2 mil anos e consiste em picar determinados pontos com o ferrão de abelhas presas cuidadosamente por pinças. Após algumas sessões, cada uma com 20 picadas, a dor desaparece. Quem se habilita? A explicação: o veneno contém proteínas, enzimas, ácidos e peptídeos que agem sobre o sistema nervoso. Mas há risco de choque anafilático, uma reação alérgica potencialmente fatal.

Na Coréia do Sul, em 2007, um grupo de cientistas anunciou que o veneno de abelhas tem um importante potencial no tratamento de doenças neurodegenerativas. No Egito, sua ação está sendo pesquisada para o tratamento da psoríase, uma doença da pele. Os resultados são bons e os efeitos secundários, mínimos e toleráveis, segundo os responsáveis pelos estudos.

O mel é tradicionalmente utilizado como sedativo para a dor de garganta. Mas pouca pessoas sabem que é também um excelente laxativo e um aliado nos tratamentos para emagrecer. Cem gramas de mel geram 300 calorias, contra 400 do açúcar. Além disso, é um potente bactericida. Ele vem do néctar colhido das flores pelas operárias, que o transportam no esôfago. Hospitais do Reino Unido e da França utilizamno para a cicatrização de feridas e cortes cirúrgicos.

O PROCESSO É DESCRITO cientificamente. O açúcar expulsa para a superfície os líquidos que congestionam os vasos sangüíneos e uma enzima do mel, a glucose oxidase, transforma esse açúcar em peróxido de hidrogênio - a água oxigenada - e ácido glucônico, criando um meio desfavorável à proliferação de germes, mas propício ao crescimento de células de cicatrização. Em 98% dos casos as feridas se fecham em três ou quatro semanas. Ao contrário dos antibióticos químicos, o mel não causa resistência bacteriana.

Em tempo: o mel utilizado para esse fim não pode ser exposto à luz ou calor. O de casa, portanto, não serve. A procedência também conta muito. Pesquisadores da Nova Zelândia, em conjunto com a Universidade de Bonn, na Alemanha, estão testando a eficácia do mel de manuka, arbusto de cujas flores as abelhas produzem um mel que seria cem vezes mais ativo do que qualquer outro.


A ENERGIA DO FUNDO DA TERRA

Governos e até o Google investem para obter eletricidade a partir de rochas aquecidas

Revista Planeta - Edição 433

O calor da lava despejada pelos vulcões durante suas erupções é uma amostra do potencial da energia geotérmica.

Rochas aquecidas nas profundezas da Terra representam um imenso potencial de energia renová- Rvel, e dois importantes passos para aproveitá- la foram dados em agosto. O primeiro coube ao governo da Austrália, que anunciou um investimento de mais de US$ 42,5 milhões para desenvolver formas de converter essa energia, chamada geotérmica, em eletricidade. O segundo é uma iniciativa privada: a Renewable Energy Cheaper than Coal ("Energia Renovável Mais Barata que o Carvão"), braço filantrópico do Google.org - a gigante multinacional de busca na internet -, vai injetar US$ 10 milhões em maneiras mais eficientes de explorar esse recurso.
A energia geotérmica se origina abaixo da crosta terrestre, na região denominada manto. Ele é composto por rochas líquidas submetidas a temperaturas elevadas - o magma. Os depósitos ou correntes de água que se encontram nessa área são aquecidos pelo magma até temperaturas acima de 140º Celsius e, quando encontram fendas na crosta, emergem no formato de gêiseres, fumarolas ou fontes termais. Calcula-se que a energia geotérmica equivale a 50 mil vezes a energia obtida a partir de todos os recursos de gás e petróleo da Terra.
O Google.org tem interesse no desenvolvimento de sistemas geotérmicos estimulados (EGS, na sigla em inglês). Numa ampliação da tecnologia tradicional - que aproveita bolsões de vapor ou água quente produzidos de forma natural -, os EGS permitem que ela seja usada em quase todos os lugares do planeta. Esses sistemas envolvem perfurações profundas no subsolo, nas quais a água é injetada. Com isso, as rochas quentes se fragmentam, favorecendo a circulação e o aquecimento da água. O líquido volta então para a superfície, em velocidade suficiente para mover turbinas e produzir eletricidade.
As iniciativas anunciadas em agosto se somam a esforços em andamento em países como Islândia, França e Alemanha. Pesquisadores dos dois últimos países, aliás, produzem desde junho 1,5 megawatt de energia geotérmica numa central experimental em Soultz-sous- Forêt, a 50 quilômetros de Estrasburgo.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o geólogo Albert Gender, coordenador científico do projeto, previu que essa energia poderá ser obtida a preços comercialmente viáveis em 20 anos. Mas, além do custo, um efeito colateral dessa tecnologia ainda precisa ser controlado: o risco de terremotos, até em regiões geologicamente estáveis.
No Brasil, a Petrobras é pioneira no uso da energia geotérmica. A empresa recorre ao calor de poços de petróleo secos no Rio Grande do Norte para aquecer aproximadamente 500 mil metros cúbicos de gás natural por dia, e a energia daí resultante é empregada em outros poços produtores. Essa estratégia evitou a construção de um gasoduto de US$ 50 milhões na área.

Vôo rasante sobre o PAÍS BASCO

Dono de forte identidade étnica e cultural, o País Basco também é conhecido pelo arraigado sentimento nacionalista de seu povo. Nem mesmo as sucessivas invasões de romanos, visigodos e mouros fizeram os bascos abandonar sua terra, língua e tradições, traços que ainda hoje os mantêm unidos como nação

Revista Planeta - Edição 433
Texto e fotos: Heitor Reali e Silvia Reali, de Bayonne

A idéia do pacto com o diabo é bem antiga. Mas dessa aliança ninguém pode Aacusar os bascos. Conta uma lenda que o próprio demônio se lançou das alturas de uma ponte sobre o Vale Nive, em Bidarray, furioso por não compreender o euskara, o idioma basco. O local ficou conhecido como Ponte do Inferno. E se o idioma endoideceu até Satanás, imagine os historiadores. Alguns deles afirmam que a língua falada há mais de 5 mil anos tem parentesco com o sânscrito e o georgiano. Outros juram que não, embora assegurem que o euskara seja a língua mais antiga falada hoje na Europa - o vasconço, como também é conhecido o idioma, somente se constituiu como língua escrita no século 16 e reforçou o sentimento de união do povo.

Historiadores à parte, é do escritor francês Victor Hugo (1802-1885) o mérito de uma de suas melhores definições: "O idioma basco é uma pátria, eu diria uma religião." Não por menos os bascos chamam sua nação de Euskal Herria, ou a terra da língua basca.

Apesar do nome, o País Basco não é uma nação independente, mas possui autonomia. Boa parte dele fica no norte da Espanha, e a outra parte no sudoeste da França. Sua cultura tradicional e peculiar desempenha um papel essencial na preservação da unidade do povo basco.

Tanto no lado francês quanto no espanhol, quando se pergunta a um basco qual é a sua nacionalidade, ele certamente responde: "Sou basco." As coisas são um tanto complicadas na Espanha, onde organizações nacionalistas bascas desafiam o governo querendo a independência. Na França, a situação é bem mais calma, graças à política de tolerância do governo.

Vista do Rio Nervión, que atravessa a cidade de Bilbao. Abaixo, à direita, homens regressam de uma pescaria. A pesca ainda é um dos baluartes da economia basca. À esquerda, as sepulturas bascas são marcadas por estelas, signos cristãos e incrustações com o nome da família.

AS MESMAS montanhas dos Pirineus que separam a Espanha do resto da Europa unem os bascos em sete províncias, quatro espanholas e três francesas. Em Hegoalde, na Espanha, ficam Álava (Araba, em basco), Biscaia (Bizkaia, em basco, Vizcaya, em castelhano), Guipúscoa (Gipuzkoa, em basco, Guipúzcoa, em castelhano) e Navarra (Nafarroa, em basco). Em Iparralde, na França, estão as províncias de Lapurdi (Labourd, em francês), Baixa Navarra (Behe Nafarroa, em basco, Basse Navarre, em francês) e Sola (Zuberoa, em basco, Soule, em francês).

Nas portas de suas fronteiras com a França e a Espanha, contudo, cessam as influências culturais "estrangeiras". A partir daí, os costumes, as festas, a música e a gastronomia testemunham o patrimônio e as heranças do povo basco. As províncias de Hegoalde, com 70% de uma população estimada em 3,5 milhões, são o coração do país, onde se espalham florestas e campos cultivados, aldeias e cidades vibrantes.

Muitas lendas rondam a terra dos bascos, a começar por sua origem. Sustentam alguns que os bascos seriam os filhos de Aitor, um dos sobreviventes do Dilúvio. Na história, porém, tal origem continua envolta em mistério. Outros acreditam que eles descendam dos Cro-Magnon, pois em suas terras há cavernas com inscrições e pinturas desse povo pré-histórico.

No trem TGV, que liga Paris a Bayonne, cidade basca francesa, a pretexto de puxar conversa, pergunto ao homem sentado a meu lado se é basco. Sob a boina preta, seu rosto sisudo não se altera: "Sim, basco." E ponto. Já sabendo que a discussão não é nova, vou direto ao assunto, esperando como resposta uma bomba-relógio no colo: "É verdade que os bascos são separatistas?", me atrevo.

"Não, mas no coração de cada basco há sempre um pouco de separatista, mesmo se ele negar isso", garante Roger Bassussary, cuja cordialidade me surpreende enquanto conta histórias de seu povo. Ele contradiz a descrição destilada por um inglês no final do século 19: "Ardido como um galês, orgulhoso como Lúcifer e de combustão espontânea como seus fósforos." Depois de um descontraído bate-papo, Bassussary aceita ser meu guia em Bayonne.

Gosto de ver uma cidade despertar. Flagrar o modo de vida da gente do lugar. Lojas abrindo, crianças a caminho da escola, sinos tocando, pouco trânsito. Nessa hora, ainda envolta pela fina névoa, quando o brilho do sol que surge se amplia nas poças de água das r uas, Bayonne, uma pequena Paris do início do século passado, desperta. Enquanto caminho pelas ruas estreitas dessa vila, sinto que o tempo não passou por ali. O Carrefour dos Cinco Cantos me confirma: no início do século 19, essa praça era ponto de encontro de mercadores e banqueiros que criaram uma espécie de bolsa de valores ao ar livre. Ali encontrei Bassussary.

Decido conhecer três ruas ao redor do Carrefour: a Argenterie, antes a célebre rua dos ourives, tem hoje lojas de artesanato de prata e cobre; a Rue des Faures, famosa pelas forjarias de armas militares, em particular as denominadas "brancas".A baioneta (de Bayonne) foi a sua invenção mais famosa, usada nas guerras napoleônicas e na Primeira Guerra Mundial. E a Rue Victor Hugo, que atrai pelo aroma e pelo requinte das butiques de chocolate. Não é sem razão que Bayonne é conhecida como a capital francesa do chocolate.

Na Rue D'Espagne e sob os arcos da Rue Port-Neuf, as casas não têm mais do que quatro ou cinco andares. Nelas, as traves de madeira do vigamento principal, pintadas de vermelho ferroso ou de verde azulado, em conjunto com as venezianas, compõem um grafismo especial. Etche, que significa casa, é o pilar da sociedade basca", diz meu guia, e explica: "É muito mais que moradia, pois também dá nome à família que a habita, como Etcheverria e Etchegaray, entre outras."

Depois da caminhada, uma surpresa: Bassussary me conta que Ruth, sua mulher, preparou receitas típicas e está nos aguardando para almoçar. Apreciadores da boa mesa, os bascos têm uma gastronomia considerada hoje uma das melhores do mundo: privilegia os frutos do mar e os peixes, como merluza, bonito, polvo, lula, anchova e a angula (filhote de enguia). Muitos de seus pratos também são feitos com carnes, sobretudo com as de pato, cordeiro e novilho.

ANTES DO ALMOÇO, degustamos o txakoli, um vinho jovem da região do Golfo de Biscaia, acompanhado de presunto cru, outra tradição culinária da cidade. Como entrada, Ruth preparou o ttoro - sopa de peixes com crustáceos, herança dos pescadores. Depois, serviu um bacalhau ao pil-pil (gelatina de azeite, alho e pimenta). Para finalizar, ofereceu um queijo idiazábal, de consistência suave e ligeiramente defumado.

No sentido horário, a partir do alto, esquerda: nos fins de tarde, pescadores chegam a Saint-Jean-de- Luz com muitos peixes e algas, usados na produção de cosméticos; construções medievais da Rua Port- Neuf e a Catedral de Santa Maria (edificação gótica do século 12) fazem de Bayonne uma pequena Paris.

No dia seguinte, ainda no litoral basco-francês, e a meia hora de Bayonne, visito outra vila medieval, Saint-Jean-de-Luz, que guarda as tradições desse povo. Agora já sem meu guia, faço um passeio pela Gambeta, principal rua de comércio onde, nos séculos 17 e 18, moravam marinheiros e corsários. Há um detalhe curioso ali: nas antigas residências, sobre as portas ou janelas, velhas inscrições indicam o nome do proprietário, o ano de construção e até mesmo o nome do construtor. A cruz gamada, le lauburu, símbolo de boa sorte para os gregos, guarda o mesmo significado entre os bascos e decora seus móveis, casas e sepulturas. Outro aspecto da tradição basca está nos cemitérios. Semelhantes a jardins ornamentados com árvores e plantas, as sepulturas são marcadas por "estelas" - discos de pedra esculpida com símbolos solares, signos cristãos e incrustações com o nome da "casa", portanto, o da família.

Quando caminho pelo porto de Saint-Jean-de-Luz, abrigado pela baía homônima, mergulho na história da navegação que se fundiu com a dos marinheiros bascos. Viajaram nas expedições de Colombo e, em 1518, Sebastião Elcano (ou El Cano) partiu como piloto da nau Victoria, de Fernão de Magalhães, na primeira circunavegação. Em 1544, Lope de Aguirre se dirigiu para a Amazônia peruana em busca do Eldorado.

Dos ancoradouros avista-se Ciboure. O povoado pesqueiro também é conhecido como "Vila dos Artistas", já que muitos ali se fixaram. Foi em Ciboure que nasceu o compositor Maurice Ravel (1875-1937).

DEIXANDO AS vilas medievais, em direção às famosas praias de Biarritz, o tom já é outro. Nesse refinado balneário que hospedou reis e rainhas, a atmosfera em nada lembra os bascos. O que sustenta a economia local é o turismo atraído pelas praias e cassinos. Uma contradição, pois o País Basco se consolidou nessa faixa litorânea a partir do século 11, devido à pesca, em particular, a caça das baleias da espécie "Balaena biscayensis", de até 15 metros de comprimento. É voz corrente que os vikings teriam ensinado os bascos nessa caça, pois seus barcos a remo - as pinazas - se assemelham às lendárias embarcações desse povo nórdico.

Em minha estadia em território basco, pude constatar o acentuado nacionalismo que tempera a personalidade dos bascos espanhóis. As cidades são conhecidas pelos nomes em basco, e não em espanhol. Os ícones do seu povo são a boina, a makila e os esportes. A boina, larga e de preferência preta, é o carro-chefe da vestimenta basca. Do pescador ao ovelheiro, do doutor ao comerciante, quase todos a usam. A makila, um bastão que hoje é mais utilizado pelos pastores em lugar do cajado, é esculpido em galho de nespereira e tem uma ponta de ferro. Já os esportes praticados no País Basco mesclam destreza, técnica e força. O mais conhecido é o da pelota.

Na região espanhola, a despeito da vitalidade da cultura, os bascos sentem sua autonomia política limitada.

Isso é notório já na fronteira da França com a Espanha, na cidadezinha de Irún, onde grafites com a sigla ETA estão pichados em várias paredes. ETA é a sigla de Euskadi ta Askatasuna - Pátria Basca e Liberdade -, nome de um grupo extremista que age principalmente na Espanha. No entanto, vemos igualmente "Basta ya", contra essas práticas.

Em meio à turbulenta e aparente luta sem fim pelo território, as ações do ETA chegaram a um ponto máximo na década de 1970, quando foi assassinado em Madri o primeiro-ministro Luis Carrero Blanco, sucessor de Francisco Franco. Antes disso, contudo, o Generalíssimo já havia feito um estrago na cidade de Guernica (Garnika, em basco) em 1937, durante a Guerra Civil Espanhola. Visando dar um fim aos separatistas, ele arrasou a cidade. Foi um tiro que saiu pela culatra, já que, contrariamente ao que ele queria, a união basca se consolidou.

O movimento separatista vem perdendo força nos últimos dez anos, pois, além de o governo espanhol reconhecer o seu parlamento com leis próprias, a região tornou-se referência cultural, econômica e turística. É o caso de San Sebastian (Donostia) e de Bilbao. A primeira, notável por sua gastronomia e festivais, é considerada uma das praias mais bonitas do norte da Espanha. Já a segunda se destaca pela força econômica de suas indústrias e também pela projeção do Museu Guggenheim, símbolo da cidade e pedra-de-toque para as construções de vanguarda que se seguiram a ele.

Uma viagem ao País Basco não se sustenta apenas na história e na geografia da região. Exige um olhar agudo sobre a paisagem humana que participa de cada ação. Portanto, seja bem-vindo, ou melhor, engi etorri, no idioma basco.

A invasão do caranguejo-rei

Eles são vermelhos ou azuis, e sempre gigantes. Naturais da Península de Kamchatka, no extremo leste da Rússia, foram levados para o Atlântico Norte. Um desastre: comem tudo que encontram pela frente e se transformaram num pesadelo ambiental

Revista Planeta - Edição 433
Texto e fotos de Johnny Mazzilli, do Mar de Barents

No fiorde de Varangerbotn, Lars Peter recebe caranguejos gigantes das mãos do mergulhador russo Anton Kalinine, que os capturou a oito metros de profundidade.

Até a década de 60, a natureza manteve esses seres exóticos dentro de seu hábitat, as águas ao redor da Península de Kamchatka (extremo leste da Rússia), o Mar de Okhotsk e as ilhas Aleutas, no Pacífico. Foi quando cientistas russos iniciaram sua adaptação em pontos remotos do país, motivados pelo pragmatismo stalinista dos velhos tempos, que encarava esses animais como uma fonte estratégica de alimento para as comunidades isoladas no norte quase permanentemente gelado da União Soviética.
A experiência consistiu em soltar, em 1961, dois machos e nove fêmeas na costa de Murmansk, na fronteira da Noruega com a Rússia. Aquelas águas, pertencentes ao Mar de Barents, são o hábitat predileto do cobiçado bacalhau do Atlântico (Gadus morhua). Em outros pontos do litoral, as experiências variaram o número de indivíduos e a proporção entre machos e fêmeas. Foi uma oportunidade e tanto: os caranguejos gigantes do Pacífico, mais conhecidos por king crabs (caranguejos-reis), que em sua fase adulta podem ultrapassar 12 quilos, se viram livres de seus pouco conhecidos predadores naturais e desde então se disseminam livremente pelas águas geladas do norte do planeta. Em 1974, já haviam contornado o Mar de Barents e descido a costa da Noruega, sendo capturados no Mar do Norte.
Existem quatro famílias principais desses avantajados crustáceos, todas originárias da Ásia. A variedade mais ocorrente é o red king crab, ou caranguejo- rei-vermelho (Paralithodes camtschaticus), e uma das mais raras é o blue king crab, ou caranguejo-rei-azul (Paralithodes platypus). Ambos vivem no mesmo hábitat e possuem os mesmos hábitos; para cada caranguejo-azul, porém, há milhares de vermelhos. Eles habitam entre 10 e 500 metros de profundidade, são extremamente resistentes a doenças, não têm predadores naturais na fase adulta, podem viver mais de 25 anos e se reproduzem como gafanhotos.

Em sentido horário, a partir da esquerda, alto: recolhimento das armadilhas; Elsa Haldorsen, guardiã da memória da vila de Bugøynes, importante porto pesqueiro de king crabs, a cem quilômetros de Kirkenes; Anton Kalinine limpa os caranguejos antes do cozimento; Lars Peter mostra o caranguejo-reiazul, capturado durante um safári de inverno.

APÓS UM LONGO périplo pela Noruega, saltando de aviões pequenos para outros menores ainda, cheguei ao extremo norte do país, em Kirkenes, fronteira com o porto de Murmansk, na Rússia. Na reta final, no curto vôo entre Vardo e Kirkenes, as poucas pessoas no avião de 35 lugares me olhavam com indisfarçável curiosidade. Estabeleceu-se uma rápida brincadeira de tentar adivinhar de onde eu vinha e, claro, ninguém acertou. Quando souberam o objetivo de minha ida àquelas paragens - saber sobre o caranguejo gigante -, desandaram a relatar fatos e atribuir ao animal toda sorte de maldades. "Eles comem tudo, devastam o fundo do mar, fazem os peixes sumir e também destroem as redes de pesca", lamentou a irmã de um pescador.
Kirkenes é uma bucólica cidade de 3.500 pessoas. Possui uma das maiores frotas pesqueiras de king crab, com barcos e tripulações predominantemente russos que formam um mosaico pitoresco de "banheiras" ancestrais enferrujadas, ancoradas de março a setembro. Nesse período, as tripulações reparam as velhas embarcações, preparando- as para a temporada que se inicia em outubro e vai até fevereiro, durante o inverno no Hemisfério Norte. Nesse período, é comum permanecerem semanas em alto-mar.
Na manhã seguinte, encontrei Lars Peter, simpático mergulhador norueguês e dono de uma pequena empresa que leva turistas para safáris de king crabs no fiorde de Varangerbotn. Como captura os caranguejos apenas para servi- los aos poucos turistas que se aventuram até aquelas paragens atrás de aventuras exóticas, o microempresário norueguês tem permissão para pescar o ano todo, dentro de uma cota preestabelecida. Após nos vestirmos adequadamente com roupas robustas, quentes e impermeáveis, seguimos num grande bote inflável com motores de popa por uns dez quilômetros, até um ponto onde ancoramos ao lado de uma parede rochosa.
Anton Kalinine, o mergulhador russo assistente de Lars, fez uma rápida descida com cilindro de oxigênio - apenas oito metros de profundidade. Cinco minutos depois, ele voltava com dois caranguejos em cada mão. "O fundo do fiorde está vermelho", diz o norueguês. "Nessa região não é preciso procurá-los. Onde quer que você desça, verá o chão coberto de carapaças se locomovendo lentamente umas por cima das outras, formando um caos emaranhado." Mais dois mergulhos e Anton trouxe uns 12 caranguejos, todos "pequenos", segundo ele. De volta ao bote, rumamos para o abrigo de Lars. Nele, Anton se pôs a limpá-los. Enquanto os bichos eram cozidos, Lars nos deu uma aula sobre o crustáceo e sua pesca.

PARA CAPTURAR o king crab são usadas armadilhas de gaiola retangulares, em cuja lateral há uma abertura estreita e comprida, para onde o caranguejo é atraído por uma isca de peixe presa no interior da gaiola. Uma vez dentro, pequenas hastes plásticas entrelaçadas na borda da entrada embaraçam-lhe o caminho de volta. As armadilhas são lançadas aos milhares entre 80 e 500 metros de profundidade.
Seu parente sul-americano, a centolla (Genus glyptolithodes), encontrada na costa do Chile e do Peru, é um tipo de king crab avantajado, se comparado aos caranguejos brasileiros. Perto do caranguejo gigante do Pacífico, porém, a centolla parece um siri. A carne branca e tenra do king crab, delicada e sutilmente adocicada, é apreciadíssima nos países nórdicos e na Rússia, e também tem forte mercado na Ásia - para japoneses, coreanos e chineses, ela é iguaria fina.
Na Ásia, eles são capturados principalmente no mar de Kamchatka e ao redor da Ilha Sakalina. Em sua saga migratória, o king crab também alcançou o Alasca, onde sua pesca é regiamente remunerada. Ao mesmo tempo, essa atividade é considerada uma das profissões mais perigosas do mundo, pois se desenrola freqüentemente sob terríveis condições climáticas, durante o inverno e com mar revolto. O Canadá é um dos grandes compradores do king crab do Alasca. Na Noruega, seu preço ultrapassa US$ 25 o quilo.
Apesar da enorme importância econômica da pesca do caranguejo, o outro lado da moeda é mais sombrio. Sua expansão descontrolada representa muito mais do que o aumento de sua oferta no mercado e mais oportunidades de trabalho: por trás disso há um grave problema ambiental do qual ainda não se conhece a real extensão, e cuja solução ainda está longe de aparecer. Em sua marcha resoluta pelo fundo dos mares, o king crab devora tudo - moluscos, invertebrados, conchas, ouriços, algas e ovas de peixes -, oferecendo riscos para um leque ainda incerto de espécies, vítimas da combinação fatal de sua robustez, truculência e apetite insaciável.

No sentido horário, a partir da esquerda, alto: caranguejos na panela, antes de serem consumidos; gaiolas empilhadas no convés de um barco russo fundeado em Kirkenes; o repórter segura um caranguejo de pouco mais de seis quilos (alguns chegam a 14 kg); velhos navios pesqueiros russos ancorados em Kirkenes, à espera da temporada de pesca (entre outubro e fevereiro); vista da vila de Bugoynes.

UM CARANGUEJO ADULTO pode consumir cerca de 400 gramas de alimento diariamente. Ao ingerirem lascas de conchas, um de seus alimentos, eles absorvem o cálcio necessário a suas enormes e resistentes carapaças. Alguns peixes de fundo, como o bizarro wolf fish do Atlântico (Anarhichas lupus), se alimentam de king crabs jovens, assim como o bacalhau, outro assíduo predador de seus filhotes. Uma vez adultos, porém, os caranguejos gigantes não possuem mais inimigos naturais.
Para o caranguejo, a primavera traz a fertilidade. As fêmeas podem pôr entre 30 mil e 500 mil ovos, carregando-os embutidos debaixo de sua placa abdominal durante dez meses. Entre janeiro e maio, liberam na água as larvas, surgidas dos ovos nos últimos 15 dias de permanência junto à mãe. Durante as seis semanas seguintes, as larvas flutuarão desprotegidas na água, onde a maioria esmagadora será devorada por peixes e invertebrados marinhos. De 2% a 3% das larvas se tornarão caranguejos adultos, apenas. Mesmo com esse índice de sobrevivência aparentemente baixo, é espantoso o aumento das populações de caranguejos gigantes por onde passam.
A natureza é mesmo caprichosa: apesar de o bacalhau, predador voraz, se alimentar do king crab jovem, esse crustáceo se revela uma dupla ameaça ao bacalhau - ao se alimentar das ovas do capelin (Mallotus villosus), uma das espécies mais importantes para a manutenção dos cardumes de bacalhau do Mar de Barents, ele reduz a população desse peixe, diminuindo, conseqüentemente, o alimento disponível para o bacalhau. Como o capelin também é explorado comercialmente, a Noruega estuda reduzir os limites de sua pesca, para que esse pequeno peixe, pouco maior que uma sardinha, não falte a seu destino mais nobre - servir de alimento ao bacalhau do Atlântico.
Além dessa ameaça, os caranguejos transmitem vírus que infestam o bacalhau, ocasionando mortes nos cardumes e acentuada diminuição de fertilidade. Cada vez mais os cientistas se debruçam sobre a questão da ameaça que os caranguejos representam para o mais caro estoque pesqueiro do mundo. O problema não se restringe apenas ao Mar de Barents: já foram capturados alguns indivíduos muito mais ao sul, ao redor das Ilhas Lofoten, um dos maiores destinos migratórios do bacalhau de Barents.

EMBORA ESTUDIOSOS discordem em vários aspectos no que tange à intensidade dos danos e à ameaça que esse avanço representa ao ambiente marinho, em um aspecto são unânimes: é difícil topar com uma espécie animal tão adaptável como o caranguejo gigante de Kamchatka. Alguns cientistas dizem que ele permanecerá no norte porque gosta das baixas temperaturas, enquanto outros, mais fatalistas, acreditam que é apenas uma questão de tempo para que comecem a ser capturados nas imediações de Gibraltar, na entrada do Mediterrâneo.
A intervenção humana por meio do manejo dessa espécie resultou numa irônica situação: no hábitat natural do caranguejo gigante, a exploração comercial excessiva e a poluição vinda do Mar do Japão vêm dizimando a espécie; nas áreas onde foi artificialmente introduzido, o animal tem se tornado um problema ambiental cuja solução ainda está por surgir.
Durante alguns anos o governo norueguês não adotou medidas diante desse avanço subaquático, sem saber se tratava os caranguejos como um recurso ou uma peste. "Estamos entre duas apostas", diz Bjordal Aasmund, pesquisador- chefe do Departamento de Recursos Marinhos de Bergen. "Uma é livrarse dos caranguejos. Outra é administrálos como um recurso pesqueiro", diz ele.
As intervenções humanas no curso natural das coisas comumente são desastrosas. Desta vez, o protagonista do avanço assume ares de besta-fera libertada pelo homem. Indiferente à escuridão, à temperatura congelante da água e à pressão de centenas de metros, os caranguejos avançam inexoravelmente pelo fundo dos mares gelados do norte do planeta. Até onde eles irão é um grande mistério.

SERVIÇO Innovation Norway - Tudo sobre turismo na Noruega - www.visitnorway.com. Como chegar - A SAS (Scandinavian Air) voa a partir de várias capitais européias para Oslo e Bergen, de onde partem vôos com destino a Kirkenes. Onde ficar - Rica Hotel - www.ricahotels. com/ index.cfm?oa=hotel.display&con=670 Safári do caranguejo gigante - Nos arredores de Kirkenes, a Arctic Dive de Lars Peter leva turistas para um inusitado safári no fiorde de Varangerbotn, cujo encerramento é uma celebração gastronômica onde se enche a barriga com essa deliciosa iguaria, acompanhada de um bom vinho branco - www.arctic-dive.no.


Pais x filhos a autoridade em crise

A autoridade parental é indispensável para a construção do caráter e da personalidade dos filhos. Crianças criadas sem consciência de limites se tornam adultos frustrados e infelizes. Muitos pais, porém, têm medo de desempenhar seu papel de educador, confundindo autoridade com autoritarismo


Por Luis Pellegrini

"TENHO MEDO DE SUFOCAR SUA PERSONALIDADE OU SUA CRIATIVIDADE"

Autoridade e autoritarismo são coisas muito diferentes. Ambas as palavras têm o mesmo radical: autor. Mas, enquanto a primeira pode ser entendida como o poder de impor limites necessários para a convivência em sociedade, a segunda indica um exacerbamento desse poder, realizado pela simples imposição de uma idéia sem possibilidade de contraposição.

É exatamente por confundir e misturar os significados de autoridade e de autoritarismo que tantos pais, hoje, têm medo de exercer qualquer forma de poder sobre seus filhos - seja ele justo e necessário à boa educação da criança ou um poder ilícito e prepotente, ditado apenas pelo desejo arrogante de se impor a qualquer custo.

Em qualquer tipo de relação humana, o autoritarismo é sempre estúpido e nefasto. Mas, em relações do tipo professor/aluno e, sobretudo, nas relações entre pais e filhos, a autoridade é indispensável para a construção sadia da criança.

A autoridade enfrenta séria crise na sociedade contemporânea. Levadas ao exagero, sentenças do tipo "é proibido proibir", que se transformaram em palavras de ordem nos anos hippies das décadas de 1960 e 1970, fizeram muito mais estragos do que se poderia supor naqueles momentos de farra libertária. Plantaram nas mentes e nos corações a convicção falsa e perigosa de que, na vida, tudo são direitos e nada é dever. Boa parte dos pais de hoje (eles mesmos mal-educados) simplesmente não sabe o que fazer para controlar a rebeldia dos filhos, perdendose no interior de situações esdrúxulas nas quais quem deveria ser comandado comanda, e quem deveria mandar comete um desmando atrás do outro. Ou vocês, caros leitores, acreditam que o sucesso de séries televisivas tipo Supernanny se deve a um simples modismo?

A crise da autoridade parental é real e se reflete em projeções danosas em todos os demais aspectos da sociedade. No Brasil, basta prestar atenção ao que acontece atualmente em todas as esferas do poder governamental, seja ele executivo, legislativo ou judiciário. Há total confusão entre autoridade e autoritarismo, gerando situações de descalabro caótico, de sambas do crioulo doido nos quais o grampo e a espionagem campeiam soltos e ninguém leva a legalidade realmente a sério. O problema é exemplar e vem do berço. Quem não aprendeu desde cedo a ter consciência de limites tenderá a viver e a manifestar até o fim a sua patologia de descomedimentos.

Voltemos ao tema: a crise da autoridade parental. Quem, ao visitar algum casal amigo com criança pequena e preferir, às 10 horas da noite, dizer "tchau" e ir embora - já que a conversa era impossível com aquele pirralho que não parava de gritar -, não ouviu desculpas do tipo: "Ele não quer ir dormir", "é um inferno toda vez que chega a hora de fazer os deveres da escola", "ele faz tudo o que lhe dá na cabeça"...

Nos consultórios, os psicólogos especializados em problemas de família ouvem esses mesmos desabafos todos os dias. Qual é a causa dessa grande desordem familiar? A ausência da autoridade, dizem os especialistas. Esses pais, que pensam cuidar bem de seus filhos e procuram ser o mais zelosos e atentos possível, não impõem aquilo que deveriam impor. Seja porque rejeitam, "por princípio", toda posição de autoridade, seja porque, embora querendo manifestar sua autoridade, não conseguem mantê-la por mais de alguns instantes.

Sabemos todos, no entanto (e os educadores que trabalham em comunidades periféricas carentes melhor que ninguém), que é a falta de educação e, portanto, de autoridade - familiar, escolar ou social - que fabrica a delinqüência. Educar uma criança significa ensiná-la a se tornar um ser civilizado. Isso pressupõe, no que diz respeito aos pais, firmeza, constância e, sobretudo, a convicção de que essa autoridade é legítima porque sem ela não é possível uma construção correta da criança.

Para que isso realmente aconteça, é preciso, em primeiro lugar, que os pais superem as suas próprias resistências internas, às vezes muito sólidas, que se opõem a esse exercício. Para a moderna psicologia, são os medos dos pais que os impedem de se posicionar de modo correto. Claude Halmos, importante psicanalista francesa, explica quais são esses medos e como se livrar deles em seu livro L'Autorité expliquée aux parents (A autoridade explicada aos pais), lançado há pouco na França pela Editora Nil.

"TENHO MEDO QUE MEU FILHO DEIXE DE ME AMAR.
" Para Claude, esse é o medo que vem em primeiro lugar. O medo de ser rejeitado leva o genitor a dizer sempre "sim" e a proibir o menos possível. Esse medo, no entanto, parte de uma idéia falsa, segundo a qual uma criança seria feliz "sem limites". Ora, uma criança deixada entregue a suas próprias pulsões e seus desejos não poderá ser feliz. Ela estará limitada, incapacitada para a vida social, a escola, pois não saberá respeitar as regras que possibilitam a convivência. Estará despreparada para a vida a dois, pois esperará que seus companheiros lhe permitam tudo, como faziam seus pais.

A criança "sem limites" vive constantemente angustiada, pois não encontra nenhuma barreira que a proteja de si mesma e do mundo exterior.

Toda criança começa por recusar os limites, mas essa recusa esconde, na verdade, uma procura deles, pois ela sabe que são necessários. Por isso, a autoridade é uma prova de amor, e não de desamor. Podemos dizerlhe: "Se eu não o amasse, não me importaria com aquilo que você vai se tornar e o deixaria fazer tudo o que lhe desse na telha."

"TENHO MEDO DE SUFOCAR SUA PERSONALIDADE OU SUA CRIATIVIDADE." Certas formas de autoridade - que deveríamos chamar, mais apropriadamente, de autoritarismo - podem efetivamente "quebrar" a personalidade de uma criança. A "autoridade de domador", por exemplo, que pretende submeter a criança ao poder arbitrário do adulto: "Eu sou seu patrão, você tem de me obedecer!" Mas a autoridade verdadeira a que se refere Claude em seu livro é diferente por duas razões.

"A primeira é que ela se dirige a uma criança que ouvimos e respeitamos. A segunda é que não exigimos uma submissão da criança ao adulto, mas uma submissão à regra enunciada por este último, à qual todos estamos submetidos (não bater nos outros, não roubar, etc.)." Essa autoridade verdadeira, além de não arranhar a personalidade da criança, favorece o seu florescimento. Quando evolui num universo devidamente sinalizado no qual a interdição é claramente colocada e compreendida, a criança se sente em segurança e encorajada para a criatividade.

"TENHO MEDO DE SER UM PAI VIOLENTO."
Bastaria uma única palavra, um único tapa para traumatizar uma criança para todo o sempre; é necessário, assim, engolir o sapo e permanecer impassível diante de uma criança em crise de birra desenfreada. "Essas falsas convicções, devidas em grande parte a uma leitura equivocada da psicologia da criança, constituem a raiz desse medo", explica Claude. Esse medo, no entanto, é perigoso, uma vez que, ao proporcionar aos pais uma imagem muito negativa da sua agressividade, inibe-a totalmente. Ora, segundo Claude, quando somos levados ao desespero por uma criança que grita, dá chutes e quebra as coisas, é legítimo e desejável exprimir a própria cólera, mesmo se os meios pelos quais nós a expressamos não sejam sempre aqueles que teríamos gostado de usar. Assim, a criança compreenderá que seus pais, e a outra pessoa em geral, são, como ela, sensíveis às agressões. O respeito pelos outros começa pelo respeito aos próprios pais. Mas o respeito nunca transita em mão única. Para ensinar a uma criança o que é o respeito ao próximo, é preciso primeiramente mostrar que você a respeita.

Eryk Fitkau/Getty

"TENHO MEDO DE PUNIR." Fica subentendido: "Prefiro conversar." Como se a punição fosse um insulto à inteligência da criança... Para Claude, a punição, quando não é humilhante e é proporcional à falta cometida, não constitui uma forma de maus-tratos. "A punição é indispensável. A proibição deve ser ensinada à criança. Se ela transgride uma primeira vez, um chamado à ordem pode bastar. Mas se ela continua a transgredir, a punição é indispensável, e cada genitor deve inventar a punição que lhe parecer mais adaptada à criança e à gravidade da transgressão. Como uma criança poderá compreender a importância de uma regra se uma punição não sanciona a sua transgressão?"

Na opinião da psicóloga, é bem mais prejudicial para a criança e a sociedade que ela cresça com a idéia falsa e perigosa de que pode fazer o que bem entende, inclusive cometer atos maldosos, e gozar de toda impunidade. Sem contar que o genitor que se limita a falar em vez derepreender acaba por perder toda credibilidade aos olhos do seu filho. A punição serve também para fazer com que as palavras dos genitores sejam respeitadas, dando a elas peso e sentido e evitando que sejam transformadas num blablablá inofensivo.

"TENHO MEDO DE CONFLITOS." A vida da família deve se desenrolar num clima de bom humor e serenidade... Essa fantasia utópica é sedutora e amplamente compartilhada, porém impraticável. O conflito é inevitável pelo simples fato de que a criança sempre se opõe aos limites, pelo menos nos primeiros tempos, e que o enfrentamento contribui para o fortalecimento da sua estrutura, embora muitas vezes consuma uma enorme quantidade da energia dos pais. Uma criança pequena não é um ser civilizado: ela é dominada pelas suas pulsões, pelo "princípio do prazer" e pelo sentimento de onipotência; para que ela se torne um ser civilizado, deve transformar o seu funcionamento inicial. Para que isso aconteça, a autoridade de seus pais é indispensável. Uma criança se constrói ao se opor. Essas divergências criam inevitavelmente fricções. Para Claude, assumir essas fricções, sem procurar a qualquer preço preservar a paz do momento, significa simplesmente cumprir com o seu dever de educador.

Revista Planeta - Ed. 433

Matéria de capa

O Poder da Burrice

O poder da BURRICE
"Duas coisas são infinitas: o universo e a burrice humana. Mas a respeito do universo ainda tenho dúvidas", disse Albert Einstein. Componente inalienável da natureza humana, a burrice é, provavelmente, a força mais perigosa do cosmos


O que significa burrice? O conceito não tem uma definição teórica indiscutível. Não é o oposto de inteligência: há pessoas inteligentes que, vez por outra, fazem o papel de burras.
Uma definição convincente foi dada pelo historiador e economista italiano Carlo Cipolla: “Uma pessoa burra é aquela que causa algum dano a outra pessoa ou a um grupo de pessoas sem obter nenhuma vantagem para si mesmo – ou até mesmo se prejudicando.”
A burrice tem a peculiar vocação de se traduzir em ações, e por isso mesmo se torna perigosa. Segundo Cipolla, que identificou cinco “leis fundamentais da burrice” (veja quadro à pág. ??), até mesmo os mais inteligentes tendem a desvalorizar os riscos inerentes à burrice. E ela é mais perigosa que a crueldade: esta, tendo uma lógica compreensível, pode pelo menos ser prevista e enfrentada. Para começar, pensemos naqueles que, em tempos de Aids, mantêm relações sexuais sem proteção ou nos que não usam um antivírus no próprio computador, expondo a si mesmos e aos outros ao contágio de vírus reais ou virtuais.
A burrice sempre ofereceu cenas e personagens cômicos, como no conto de Andersen A roupa nova do imperador, no qual dois alfaiates mal-intencionados convencem o rei a vestir uma roupa maravilhosa, invisível para as pessoas burras. Era uma armadilha: ninguém queria admitir a própria burrice nem contradizer o soberano afirmando não ver a roupa (que de fato não existia). Só um menino teve a coragem de dizer que o rei estava nu, revelando a trapaça. Mas, atenção: rir da burrice pode deixá-la “simpática” e, portanto, desvalorizada. Se na ficção o estúpido é facilmente reconhecido, na vida real as coisas são diferentes.
A burrice tem três características fundamentais:
1) Ela é inconsciente e recidiva: o burro não sabe que é burro e tende a repetir várias vezes o mesmo erro. Tais características contribuem para dar mais força e eficácia à ação devastadora da burrice. A pessoa estúpida não reconhece os próprios limites, fica fossilizada em suas convicções particulares e não sabe mudar. Por isso, como diz o psicólogo italiano Luigi Anolli, “no âmbito clínico, a burrice é a pior doença, por ser incurável”. O estúpido é levado a repetir os mesmos comportamentos porque não é capaz de entender o estrago que faz e, portanto, não consegue se corrigir.
2) A burrice é contagiosa. As multidões são muito mais estúpidas que as pessoas que as compõem. Isso explica por que populações inteiras (como aconteceu na Alemanha nazista ou na Itália fascista) podem ser facilmente condicionadas a perseguir objetivos insanos, um fenômeno bastante conhecido na psicologia. “O contágio emotivo próprio do grupo diminui a capacidade crítica”, explica Anolli. “Percebe-se a polarização da tomada de decisão: escolhe-se a solução mais simples, que na maioria das vezes é a menos inteligente.”
3) Além da coletividade, há um outro fator que amplifica a burrice: estar numa posição de comando. “O poder emburrece”, afirmava o filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Por quê? Quando estão no poder, as pessoas muitas vezes são induzidas a pensar que, justamente por ocuparem aquele posto, são melhores, mais capazes, mais inteligentes e mais sábias que o resto da humanidade. Além disso, estão cercadas de aduladores, seguidores e aproveitadores que reforçam o tempo todo essa ilusão. Dessa forma, quem está no governo chega a cometer as mais graves faltas com a aprovação geral.

Todos temos um fator de burrice maior do que imaginamos. Ele leva cientistas a só considerar um estudo sério quando coincide com seu ponto de vista. Mas o otimismo, mesmo sem base sólida, prolonga a vida, como demonstraram freiras norte-americanas.

Campeões da confusão

O cinema está repleto de heróis estúpidos que armam confusões sem fim, para si e para os outros, resultando em divertidas comédias. Veja, a seguir, algumas das mais famosas.
• Laurel e Hardy em Mestres do Baile (1943)
• Peter Sellers em A Pantera Cor-de-Rosa (1963) e Um Convidado bem Trapalhão (1968)
• Steve Martin em O Panaca (1978)
• Jim Carrey em Debi e Lóide (1995)
• Tom Arnold em Os Babacas (1996)
• Mike Myers em Austin Powers (2002)
• Steve Carell em Agente 86 (2008)

O PODER – SEJA ELE político, econômico ou burocrático – aumenta o potencial nocivo de uma pessoa burra. Um exemplo extremo é dado no filme Dr. Fantástico, de Stanley Kubrick. Nele, um grupo de estúpidos de grau máximo pensa em detonar uma carga explosiva nuclear que levará ao fim do mundo, por uma simples frivolidade.
Por seu lado, o rei Luís 16, no dia 14 de julho de 1789 (a data da Queda da Bastilha, evento que deu início à Revolução Francesa), escreveu em seu diário: “Hoje, nada de novo.” O mesmo obtuso e burro senso de invencibilidade fez o general George Custer supervalorizar suas forças e atacar os índios em Montana (EUA), em 1876. Resultado: centenas de soldados do Exército norte-americano foram massacrados pelos índios sioux e cheyennes no riacho Little Big Horn. Ou, ainda, levou Napoleão a atacar a Rússia em pleno inverno de 1812: o Exército francês foi dizimado pelo frio e pela exaustão. Sem contar as previsíveis tragédias das guerras do Vietnã e do Iraque de hoje.
Em cada um de nós há um fator de burrice que é sempre maior do que imaginamos. Isso não é, necessariamente, um problema. Ao contrário, a estupidez tem uma função evolutiva: serve para nos fazer agir precipitadamente, sem pensar muito, o que em certos casos se revela mais útil do que não fazer nada. A burrice nos permite errar, e na experiência do erro há sempre um progresso do conhecimento. Assim, o ponto-chave para anular a burrice está em reconhecer os próprios erros e se corrigir. Como dizia o escritor francês Paul Valéry: “Há um estúpido dentro de mim. Devo tirar partido de seus erros.”

Como? Um estudo da Universidade de Exeter (Grã-Bretanha), publicado no Journal of Cognitive Neuroscience, identificou uma área do cérebro – no córtex temporal – que é ativada quando está para se repetir um erro já cometido: um sinal de alarme nos impede de recair na mesma situação. Se na base da burrice existisse uma anomalia localizada, talvez um dia pudéssemos corrigi-la com uma cirurgia. Desde que não caíssemos nas mãos de um cirurgião idiota.

TODOS NÓS ESTAMOS prontos a admitir que somos um pouco loucos, mas burros, jamais. Fuçando na literatura científica, é possível descobrir que somos um pouco burros, cada qual de um jeito diferente; mas o cérebro funciona de forma a nos esconder essa realidade. E mais: podemos descobrir que, apesar de tudo, é melhor assim.
As estatísticas indicam que 50% dos motoristas não sabem dirigir: um tem dificuldade para estacionar, outro circula a 20 km/h, um terceiro ocupa duas faixas como se a rua fosse dele. Mas quem não sabe dirigir não tem consciência disso, ou desistiria, preferindo o transporte público e aumentando, assim, as próprias (e as alheias) possibilidades de sobrevivência. O mesmo exemplo pode ser aplicado às pistas de esqui, ao universo de trabalho, ao campo de futebol e assim por diante.
Quem é suficientemente inteligente para reconhecer que não sabe guiar direito? Se formos a um hospital e entrevistarmos os recémretirados das ferragens de um carro, descobremos que ninguém admite integrar a categoria dos incapazes. Pesquisas mostram que 80% das pessoas internadas por acidente de carro acreditam pertencer à elite dos motoristas com habilidades superiores à média. E a responsabilidade do acidente? A maioria atribui seus erros à falta de sorte ou a algum idiota que cruzou seu caminho.

Ações suicidas
Em 1876, o general George Custer, no comando da 7ª Cavalaria americana, decidiu atacar – apesar do pequeno contingente disponível – um grande acampamento sioux em Little Big Horn. Os soldados foram todos massacrados. Um exemplo da burrice no poder.



E TEM MAIS. Imaginese agora como um verdadeiro fracassado em um determinado setor – por exemplo, na pintura, na natação, em estatística. E tente imaginar ser suficientemente inteligente para admiti- lo. Não se iluda: também aqui seu lado burro será revelado. “Seu cérebro encontrará um obstáculo, atenuando a importância daquele setor”, explica Cordelia Fine, pesquisadora no Centro de Filosofia Aplicada e Ética Pública da Universidade de Melbourne (Austrália).

“Aquela carência não o incomodará mais”, prossegue ela, “pois seu cérebro tenderá a considerar o desenho, a natação e a estatística como atividades supérfluas”. Assim, é melhor nos contentarmos em admitir que nossas fraquezas são comuns o bastante para fazer parte da falibilidade humana, enquanto nossos pontos fortes são raros e especiais.

Há uma explicação para esse comportamento? “A falência é a principal inimiga do nosso ego e da nossa auto-estima. É por isso que o cérebro, um grande vaidoso, faz o máximo para bloquear o caminho a essa hóspede indesejada”, acrescenta a pesquisadora.

sso não é uma grande novidade, visto que no frontão do templo de Delfos, na Grécia, estava escrito: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses.” Mas o autoconhecimento não é tão fácil: a idéia de quem somos varia de acordo com as necessidades. Em 1989, Rasyid Sanitioso e Ziva Kunda, na época psicólogos na Universidade de Princeton (EUA), mostraram a alguns jovens pesquisadores falsos estudos que documentavam um maior sucesso das pessoas extrovertidas. A outros deram pesquisas que premiavam os introvertidos. Pois bem: os estudantes se identificavam com qualquer dos traços de personalidade apresentados como passaporte para o sucesso...

VÁRIAS ESCOLHAS absurdas são feitas de maneira burra, sem uma avaliação dos prós e contras, dados e estatísticas reais. Casar-se, por exemplo, é uma decisão que implica um vínculo para toda a vida. Quem, cruzando as portas da igreja ou do cartório, tem a perfeita consciência de que, segundo as estatísticas, o casamento tem 50% de chance de dar errado? No momento do “sim”, só sabem disso os pais dos noivos, os avós, os amigos, parentes e até mesmo o padre e o juiz. Os interessados diretos demonstram uma obstinação cega, perfeitamente convencidos de que sua união será uma exceção a todas as regras. Até porque, se não estivessem seguros, a continuidade da raça humana dependeria da péssima eficácia dos contraceptivos e o Homo sapiens poderia já estar extinto.

E a capacidade de admitir nossos erros de avaliação? Quase inexistente: estamos atados a nossas convicções como se elas fossem coletes salva-vidas. O que pedimos ao mundo não são novos desafios a nossas ideologias políticas e sociais. Preferimos amigos, livros e jornais que compartilham e confirmam nossos iluminados valores. Mas, cercando-nos de pessoas oportunistas, reduzimos a chance de que nossas opiniões sejam questionadas.

Também nos vários setores da pesquisa, a burrice se apresenta pontualmente: os envolvidos tendem a considerar um estudo sério e convincente quando os resultados coincidem com seu ponto de vista; ou julgamno ultrapassado e cheio de defeitos quando vão de encontro a suas expectativas. Esse fator explica por que muitas vezes é inútil tentar demover um obstinado de manter idéias claramente erradas.

Todas as vezes que nosso cérebro pensa no futuro, tende a produzir previsões otimistas. Por exemplo: estamos sempre certos de que nosso time do coração vai ganhar o jogo, embora haja outra possibilidade. As previsões “autocelebrativas” também acontecem nas bancas de apostas, nos cassinos e nas loterias, nas quais as pessoas desperdiçam dinheiro porque a capacidade de julgamento fica dominada pelo desejo de vencer. Qual é a razão desse estúpido otimismo do cérebro? Ele nos protege contra as verdades desconfortáveis.

HÁ PESSOAS QUE chegam incrivelmente perto da verdade sobre si mesmas e a respeito do mundo. Elas têm uma percepção equilibrada, são imparciais quando se trata de atribuir responsabilidades de sucessos e fracassos e fazem previsões realistas para o futuro.

Testemunhas vivas do quanto é arriscado conhecer a si mesmas, elas são, para muitos psicólogos, pessoas clinicamente depressivas. Martin Seligman, docente de psicologia na Universidade da Pensilvânia (EUA), demonstrou que o chamado “estilo explicativo” pessimista é comum entre os deprimidos: quando fracassam, assumem toda a culpa, consideram-se burros, péssimos em tudo e se convencem de que essa situação vai durar para sempre.

E quais são os resultados de tanta (às vezes excessiva) honestidade intelectual? Deborah Danner, pesquisadora da Universidade de Kentucky (EUA), examinou os efeitos da longevidade em 180 noviças norte-americanas, otimistas e pessimistas. Quanto mais otimistas se mostravam as religiosas, mais tempo viviam. As mais joviais viveram em média uma década além das pessimistas. É claro que ser realistas e ao mesmo tempo serenos e otimistas seria o ideal; mas não há dúvida de que às vezes um pouco de burrice faz bem.

Equipe Planeta

Gênios da música


ORQUESTRA SINFÔNICA DA USP APRESENTA

27 de outubro, 12h, Anfiteatro Camargo Guarnieri

28 de outubro, 21h, Sala São Paulo

ENCONTRO DE GÊNIOS:

Wolfgang Amadeus Mozart e Ludwig Van Beethoven

W.A. Mozart (1756-1791)
Abertura Don Giovanni k527

Ludwig van Beethoven (1770-1827)

Concerto para Piano e Orquestra nº 4 opus 58

Ludwig van Beethoven (1770-1827)
Sinfonia nº 5 opus 67

Solista: Linda Bustani
Regente Convidado: Kirk Trevor

Ingressos a venda:

www.ingressorapido.com.br

ou na Sede da OSUSP[1], das 10h às 16h

Mais informações: www.sinfonica.usp.br

*Estudantes, professores, aposentados, funcionários USP e pessoas com idade acima de 60 anos têm 50% de desconto, mediante apresentação de documentação que comprove o benefício no ato da compra.


[1] Rua do Anfiteatro, nº 109 Cid. Universitária

Tel. 3091-3000/2392

O suor pode reduzir os riscos de asma durante os exercícios, segundo estudo da Universidade de Michigan. A pesquisa com 56 atletas indicou que aqueles que sofrem de asma em conseqüência de exercícios físicos produzem menos suor, lágrimas e saliva. Os sintomas da asma induzida pelo esforço são similares ao da asma crônica e se manifestam minutos após a prática de exercícios. Uma das razões seria o fato dos atletas terem as vias aéreas mais contraídas, exigindo maior nível de esforço e respiração. Avaliando o uso de dois medicamentos – um que contraía as vias aéreas, e outro que induzia a produção de saliva e suor – os pesquisadores observaram que aqueles que responderam bem ao primeiro, reduzindo o movimento do ar, suaram menos. E eles concluíram que a quantidade de fluidos secretada pode ser determinante na proteção de atletas contra asma.

Perigo nas transfusões

Risco de transmissão do HIV pelo sangue em São Paulo é dez vezes maior que nos EUA e na Europa


Pesquisa realizada no hemocentro de São Paulo revela que o risco de infecção pelo vírus da Aids em transfusões de sangue no estado é de 15 casos por milhão (imagem: Martin van Dalen).

Apesar do controle feito pelos bancos de sangue para evitar a contaminação por doenças transmissíveis, o risco de um paciente contrair o vírus da Aids em uma transfusão ainda é significativo no Brasil. O alerta vem de uma pesquisa realizada no hemocentro de São Paulo, que revela que o número de infecções por HIV devido a transfusões no estado é dez vezes maior do que em bancos de sangue europeus e norte-americanos.

O estudo examinou o material coletado entre 1996 e 2001 pela Fundação Pró-sangue, instituição ligada à Secretaria da Saúde de São Paulo e à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). As doações atingem uma média mensal de 15 mil bolsas, que representam cerca de 24% do sangue consumido no estado.

“Embora a prevalência do HIV nas transfusões tenha diminuído nos últimos anos em São Paulo, o risco de infecção ainda é de 15 casos por milhão, um número que não pode ser considerado baixo”, avalia a médica Ester Cerdeira Sabino, da Fundação Pró-sangue. Os resultados foram apresentados durante a 23ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), realizada em agosto em Águas de Lindóia (SP).

A contaminação em transfusões ocorre porque há um período após a infecção pelo HIV em que o corpo do doador ainda não produziu uma quantidade de anticorpos suficiente para ser detectada pelos exames realizados nos bancos de sangue. “Com os dois testes de anticorpos feitos atualmente, essa janela imunológica é de 22 dias”, conta Sabino.

Comportamento de risco
A situação se agrava porque muitas pessoas vão aos bancos de sangue com a intenção de obter, de maneira rápida, um exame sangüíneo, como mostrou pesquisa feita com doadores da Fundação Pró-sangue. E pior: alguns desses indivíduos têm comportamento de risco e acabaram de se expor ao HIV. “Como eles querem um resultado rápido, procuram os bancos de sangue justamente no período da janela imunológica”, ressalta a médica.

A pesquisa revelou um dado que pode confirmar essa atitude: a prevalência do HIV é maior entre os chamados doadores altruístas (aqueles que vão ao hemocentro por conta própria) do que entre doadores de reposição (que doam sangue porque têm algum parente hospitalizado que necessitou de transfusão).

Para diminuir os riscos de infecção pelo HIV nas transfusões, a pesquisadora sugere a realização de um terceiro teste nas bolsas de sangue, que reduziria a janela imunológica em 11 dias. “Além disso, é preciso tornar mais eficiente a triagem clínica dos doadores e ensiná-los a não doar se tiverem dúvida com relação à sua exposição ao HIV”, acrescenta Sabino. Agora a equipe avalia quais seriam as campanhas mais adequadas para evitar a doação de sangue em caso de comportamento de risco.


Thaís Fernandes (*)

Ciência Hoje On-line
05/09/2008